
A Carménère tem seu nome derivado da palavra francesa carmin, graças às suas folhas que se tornam vermelhas mais cedo no outono.
A Carménère é a uva símbolo do Chile!
Embora nosso “vizinho” produza vinhos incríveis com outras variedades (veja exemplos aqui e aqui), a Carménère figura hoje como “a uva chilena” por excelência… Mas não foi sempre assim.
Originária da França, mais precisamente da região do Médoc, em Bordeaux, a Carménère faz parte do grupo de uvas que, juntamente com Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot e Malbec, eram originalmente utilizadas na composição do chamado “blend bordalês”. Foi muito plantada, sobretudo no Médoc e em Graves, até a destruidora chegada da Phylloxera em 1867…
Quando finalmente a solução para a praga foi descoberta e os vinhedos começaram a ser replantados, era difícil encontrar mudas sadias de Carménère. Além disso, o baixo rendimento e a alta susceptibilidade à pragas tornavam seu cultivo mais trabalhoso e bem menos lucrativo. Então, pouco a pouco, os produtores de Bordeaux foram abandonando essa variedade… e a Carménère foi, virtualmente, extinta.
Até que em 1994 (mais precisamente em 24 de novembro de 1994) o ampelógrafo francês Jean-Michel Boursiquot, analisando vinhedos da Viña Carmen no Vale do Maipo (próximo à Santiago), percebeu que algumas uvas tidas como Merlot mas que demoravam mais para amadurecer eram, na verdade, a “extinta” Carménère!
As mudas originais de Carménère foram trazidas da região de Bordeaux para o Chile por volta dos anos 1850, na “era” pré-phylloxera. Graças à proteção natural da Cordilheira dos Andes e aos mínimos índices de precipitação do Vale Central, a Phylloxera não atingiu o Chile e a Carménère pôde prosperar. Foi plantadas junto a outras variedades (prática comum naquela época) e, devido às muitas semelhanças biológicas, foi confundida com sua “irmã” Merlot por quase 150 anos.
Apesar de fazerem parte da mesma família Cabernet, a Carménère é uma uva de maturação mais tardia em relação à Merlot, e seus vinhos são bem diferentes. Assim, se for colhida na época de maturidade da Merlot, estará ainda “verde” e com agressivos aromas de pimentão. Já a Merlot, se deixada até a maturação da Carménère, ficará sobremadura e com aromas de geléia e frutas “passadas”.
Depois da descoberta houve um período de adaptação. Após alguns anos de descrença, os produtores finalmente se deram conta de que estiveram produzindo o vinho “errado” por décadas e começaram a experimentar com a Carménère. Não havia sido produzido um vinho Carménère por mais de um século!
A Viña Carmen foi a primeira a produzir um Carménère varietal, em 1996. Em 1998 o Departamento de Agricultura do Chile oficialmente reconheceu a Carménère como uma variedade distinta, e não apenas um “clone de maturação tardia” da Merlot. E desde então a indústria vitivinícola do Chile assumiu o desafio de encontrar o terroir perfeito para melhor expressar as características dessa “nova” uva.
E 20 anos depois de sua “redescoberta”, a antiga uva francesa, agora moderna e “falando espanhol”, ganhou seu próprio dia no calendário: o dia 24 de novembro foi instituído como Carménère Day.
Degustando
A Carménère também foi o tema da última reunião da minha confraria, há algumas semanas, e tive o privilégio de provar alguns dos melhores vinhos do Chile. Entre eles o magnífico Carmin de Peumo 2010, ícone chileno da Concha Y Toro e considerado por muitos o melhor Carménère do mundo!
Apesar do nome e da fama, o vinho não é monovarietal. É elaborado com 86% de Carménère, 7,5% de Cabernet Sauvignon e 6,5% de Cabernet Franc.
A Carménère utilizada vem do famoso Vinhedo Peumo, na D.O. Peumo, no Vale do Cachapoal. São vinhas plantadas em 1987, à partir de mudas pré-filoxéricas, em terraços à 170m acima do nível do mar, às margens do Rio Cachapoal. Terroir privilegiado para a expressão da Carménère, possui solo limo-argiloso aluvial que retém água e permite uma ótima maturação das uvas. O clima no vinhedo é mediterrâneo, com dias quentes e noites frescas, com o rio ajudando a manter as temperaturas mais baixas durante o verão.
Após a colheita manual (realizada em 19 e 20 de maio de 2010) o vinho é levado para a bodega, vinificado em tanques da aço inox por 27 a 30 dias e, à seguir, maturado em barricas de carvalho francês por 17 meses. Tudo sob supervisão do conceituado enólogo Ignacio Recabarren.
Reconhecido por Robert Parker como o melhor Carménère do Chile, com 93 pontos, o Carmin de Peumo 2010 é um vinho ainda muito jovem e com potencial para evoluir muito nos próximos 10 anos.
Na taça mostrava linda coloração rubi de média intensidade, brilhante. Os aromas mostravam de frutas vermelhas maduras, mentol, um leve floral, caramelo e café. Com o tempo na taça o café ganha força e surgem notas de tabaco. Ao se colocar na boca já se mostrava redondo e muito equilibrado, com notas de pimenta e frutas vermelhas, corpo médio, acidez média-alta e taninos moderados, muito macios. O final era longo e deixava a boca enxuta e aveludada. Nem sinal dos 14,5% de álcool…
Um vinho elegante e que deve ganhar em complexidade com o envelhecimento, agregando os aromas terciários que ainda não deram as caras…
Um dos melhores chilenos que já provei!
Muito bacana saber da história da uva carmenère no Chile. Fantástico post!!
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Que bom que gostou!
Eu adoro essas curiosidades do mundo do vinho! Quando descobri a história da Carménère sabia que teria que escrever sobre ela!
Obrigado pelo feedback!
Volte sempre!
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