A História do Champagne – parte 1

 

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Toda fermentação produz álcool e gás carbônico. Nos vinhos chamados “tranquilos” o gás produzido pela fermentação do mosto escapa para a atmosfera. Já nos vinhos Espumantes a fermentação ocorre em espaço fechado de maneira que o gás carbônico seja dissolvido no vinho, deixando-o “espumante”.

Vinhos que, acidentalmente, desenvolviam bolhas durante a guarda na garrafa já eram observados desde a Antiguidade. Mas foi na cidade francesa de Limoux, no Languedoc, que surgiram os primeiros vinhos propositadamente espumantes que se tem notícia: o Blanquette de Limoux. Segundo documentos de 1531, os monges da Abadia de Saint-Hilaire, ao engarrafar o vinho em frascos com rolha, adicionavam um licor de tiragem (mistura de açúcar e leveduras) que promovia uma segunda fermentação no frasco fechado, provocando a “tomada de espuma”.

mapa frança champagneAté o século XVII, o surgimento de bolhas nos vinhos era considerado um defeito. Em algumas regiões, notadamente a de Champagne (no nordeste da França), o outono frio frequentemente interrompia a atividade das leveduras deixando parte do açúcar não-fermentado. Ao ser engarrafado nesse estado, o vinho transformava-se em uma bomba relógio: quando chegava a primavera e as temperaturas se elevavam, as leveduras “dormentes” retomavam a fermentação, produzindo gás carbônico e gerando pressão nas garrafas. Muitas explodiam na cave, provocando uma reação em cadeia, e levando à perda de boa parte da produção.

dom perignonCansados de perder litros de vinhos, em 1668 a Abadia de Hautvillers, em Champagne, incumbiu, o monge beneditino Dom Pérignon, de descobrir como evitar as borbulhas. Erroneamente creditado como o “inventor do Champagne”, Dom Pérignon na verdade buscou impedir a refermentação do vinho na garrafa. Trabalhou arduamente para elevar a qualidade e o prestígio dos vinhos da região e aperfeiçoou a técnica do corte, permitindo elaborar cuvées de champagne.

Na Inglaterra, grande importadora dos vinhos de Champagne, os espumantes começaram a ganhar popularidade nas festas e entre a nobreza. A técnica britânica de fabricação de vidro permitiram às garrafas suportar a pressão do gás e ajudou a disseminar os vinhos espumantes.  Com a morte de Luís XIV em 1715, o Duque de Orléans tornou-se o “Regente da França” e apresentou à sociedade parisiense os espumantes de Champagne, que logo se tornaram uma febre. Os produtores da região de Champagne perceberam a tendência e passaram a produzir, cada vez mais, vinhos espumantes. Ao longo do século XVII surgiram as grandes Casas de Champagne, como Moët & Chandon, Louis Roederer e Taittinger, e lentamente o Champagne foi ganhando a Europa.

Continua…


 

Degustando…

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O precursor do Champagne…

Tido como o primeiro espumante do mundo (pelo menos, o primeiro que se tem registro), o Blanquette de Limoux AOC é produzido na região de Limoux, Languedoc-Roussillon (sudoeste da França), alguns quilômetros ao sul da cidade de Carcassone. Seu primeiro produtor, a Abadia Saint Hilaire ainda é o grande nome dessa denominação. Produzido com no mínimo 90% da uva Mauzac, leva também porcentagens variadas de Chardonnay e Chenin Blanc, e é produzido pelo Método Tradicional de produção de espumantes (aguardem o próximo post…)

Saint Hilaire Blanquette de Limoux 2012 é um espumante delicioso, com 12% de álcool, que passa 9 meses em cave, em contato com as leveduras, na segunda fermentação na garrafa. Na taça tem bonita coloração palha clara, com perlage média. No nariz, tem aromas bem evidentes maça verde e flores brancas, com um discreto toque de pão fresco. Na boca é sobretudo cítrico (maçã, novamente), com acidez moderada, boa cremosidade e longa persistência aromática. Ótima opção para acompanhar peixes ou frutos do mar, ou como aperitivo. Recomendo!

 

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As rolhas

 

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Frente ao prazer iminente da degustação de um grande vinho, frequentemente menosprezamos um componente da maior importância: a rolha.

O objetivo da rolha é a vedação da garrafa, impedindo o contato do vinho com o ar ambiente e prevenindo sua oxidação. A rolha natural, feita de cortiça, é utilizada como padrão no fechamento de garrafas desde o século XVII. Além de sua maleabilidade, elasticidade e aderência possui certa permeabilidade que, ao longo do tempo, permite alguma oxidação e o surgimento de aromas terciários, contribuindo para sua complexidade.

A cortiça utilizada para a fabricação das rolhas é um material muito especial, formado por uma “colméia” de células de suberina preenchidas com ar. É proveniente da casca do Sobreiro, carvalho da espécie Quercus suber que cresce nos montados, florestas de alguns países do Mediterrâneo como Portugal (o maior produtor), Espanha, sul da França, Itália e norte da África. A casca do sobreiro é retirada “manualmente”, com uso de machado, em grandes lâminas que são então colocadas para secar ao ar livre por no mínimo 6 meses, e então cozidas, recortadas, modeladas e polidas.

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Cada sobreiro demora 25 anos até poder ser descortiçado pela primeira vez e só será novamente descortiçado a cada 9 anos. A cada nova extração são retirados em média 40 a 60kg de cortiça. O tronco do sobreiro é pintado com o número do ano da retirada, para controle, produzindo uma interessante paisagem de florestas numeradas. As primeiras duas extrações produzem matéria-prima para isolamento, pavimento e outros fins; somente a partir da terceira extração a cortiça tem a qualidade exigida para a produção de rolhas. Portanto, é necessário mais de 40 anos para que um sobreiro comece a produzir cortiça de qualidade para fabricação de rolhas. Cada árvore vive em média 200 anos, sendo descortiçada cerca de 17 vezes.

As rolhas naturais são feitas de cortiça maciça, geralmente com 24mm de diâmetro (6mm mais larga que a parte interna do gargalo da garrafa), permitindo perfeito ajuste e vedação. O comprimento é variável, mas em geral 45mm ou 38mm. São recomendadas, principalmente, para os vinhos de guarda, sobretudo os tintos, que “evoluem” com o lento e microscópico contato com o oxigênio ao longo do tempo de guarda. Ao armazenar a garrafa deitada, o vinho mantem-se em contato com a rolha impedindo seu ressecamento e sua contração. 

O grande problema relativo às rolhas naturais, além do alto preço de produção (cada rolha pode chegar à custar até €1), é o risco de contaminação do vinho com o TCA (tricloroanisol). O TCA uma substância química liberada pelas rolhas atacadas por alguns fungos e que, mesmo em minúsculas concentrações, provoca o “gosto de rolha”, do francês bouchonée (descrito como o gosto de pano molhado ou jornal embolorado!). Segundo estatísticas, o bouchonée causado pelo TCA ocorre em 5-6% das rolhas, o que não é pouco. Isso levou a indústria vitivinícola a procurar alternativas ao uso da cortiça para a fabricação das rolhas.

Uma alternativa mais barata é a rolha de aglomerado de cortiça, feita com a cortiça moída das sobras da produção das rolhas maciças. Tem elasticidade e durabilidade menores que a rolha maciça e, em alguns casos, a cola utilizada para aglomerar a cortiça pode contaminar o vinho. Alguns produtores adicionam um disco de cortiça maciça na parte da rolha que fica em contato com o vinho. Mas, da mesma forma que as rolhas maciças, as rolhas de aglomerado também estão sujeitas ao TCA.

As rolhas sintéticas são a opção mais barata, tendo também as vantagens de não transmitirem o TCA e de permitirem que o vinho seja guardado em pé. No entanto, não se consegue provar que não influenciem negativamente a evolução de um vinho de guarda. Assim, costumam ser utilizadas apenas em vinhos mais simples ou “para consumo imediato”.

screwcapUma opção mais moderna e altamente eficiente em termos de vedação de garrafas é a tampa de rosca, ou screwcap. Ainda não há provas de que permitam um envelhecimento à longo prazo, mas colecionam vantagens: baixo custo, fácil abertura (dispensa o uso de saca-rolhas), são recicláveis, permitem a guarda das garrafas em pé e são livres de TCA. Por todas essas qualidades, o uso da tampa de rosca já é muito bem aceito em vinhos brancos e de “consumo jovem”, sobretudo no Novo Mundo, e é adotado por mais produtores a cada ano. O próprio Robert Parker é um defensor de seu uso.

Uma menção especial deve ser feita às rolhas de Champagne, que tem forma de cogumelo e são compostas de 2 partes: a parte em contato com o interior do gargalo e com o líquido é de cortiça maciça, vedando a garrafa e protegendo o precioso conteúdo; já a parte de cima da rolha é confeccionada com aglomerado bem rígido e sem elasticidade, permitindo sacar a rolha com as mãos ou com um alicate apropriado.

As rolhas, os materiais utilizados para sua produção, seus formatos e especificações, assim como as alternativas às rolhas tradicionais e seus “prós e contras” são temas ainda em discussão e longe de um consenso. Talvez só o tempo traga respostas para os questionamentos relacionados à melhor forma de se fechar uma garrafa de vinho.

Columbia Valley, Washington

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Localizado no extremo Noroeste dos Estados Unidos, o estado de Washington é o segundo estado viticultor mais importante do país (atrás, claro, da California), com mais de 16200ha de vinhas. Embora o estado desfrute atualmente de posição privilegiada no cenário vitivinícola americano, foi só à partir da década de 1980 e 1990 que essa indústria começou a florescer, em parte graças à pioneira vinícola Chateau Ste. Michelle, de Columbia Valley.

Dividido perpendicularmente pelas Cascade Mountains, o estado de Washington possui duas metades muito distintas. A oeste é frio e chuvoso, com apenas uma AVA (American Viticultural Area) próxima da capital Seattle (Puget Sound), e 1% da produção de uvas do estado.

O lado leste, por sua vez, apresenta condições quase desérticas (precipitações de 15-20cm/ano) graças ao bloqueio da umidade marítma pelas Cascade Mountains (efeito rain shadow). O clima árido e o solo com rápida drenagem torna obrigatória a irrigação e encarece a produção, mas minimiza problemas com pragas (a filoxera, por exemplo, nunca apareceu por lá). Isso associado à longas horas de luz solar no período de crescimento garante alguns dos mais admirados Cabernet Sauvignon, Merlot, Riesling e Syrah do país.

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A maior e mais produtiva apelação de Washington é a AVA de Columbia Valley. Essa área enorme se espalha a leste das Cascades, cobrindo quase metade do estado, desde o rio Columbia ao sul até as terras ao norte do rio Yakima, englobando diversas AVAs menores (as famosas Red Mountain, Walla Walla Valley e Yakima Valley; Wahluke Slope, Horse Heaven Hills, Rattlesnake Hills, Lake Chelan e Ancient Lakes).

A maior, mais antiga e, sob muitos aspectos, a mais importante vinícola do estado de Washington é a Chateau Ste. Michelle. Com origem na época da Lei Seca, ganhou seu nome atual com a construção, em 1976, de sua sede em Woodinville. Hoje possui mais de 1420ha de vinhedos, produz por volta de 1 milhão de caixas de vinho por ano e é dona de outras vinícolas menores, entre elas a Columbia Crest, famosa por seus vinhos acessíveis e elogiados. Seus grandes projetos, no entanto, são as parcerias com renomados produtores como o toscano Marchese Antinori (no “supertoscano” Col Solare, em Red Mountain) e com o alemão Ernst Loosen, nos maravilhosos Rieslings Eroica.


 

Degustando…

No último fim de semana tive a oportunidade de provar, junto aos amigos (que maneira melhor?), 2 belos Cabernet Sauvignons produzidos no Columbia Valley por essa emblemática vinícola. Ambos da safra 2012, considerada espetacular pelas publicações especializadas (condições climáticas perfeitas para o amadurecimento das uvas tintas). Apesar disso, os vinhos eram bem diferentes entre si:

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garrafas vazias falam mais que mil palavras…

O primeiro foi o Columbia Crest Grand Estates 2012 Cabernet Sauvignon, com 90 pontos pela Wine Spectator e bom custoXbenefício. Com uvas provenientes das AVAs Horse Heaven Hills e Wahluke Slope, recebe 2% de Merlot. Logo de cara, um vinho muito aromático com notas de amora, baunilha e chocolate em pó, mas que perderam a exuberância inicial após algum tempo na taça. Na boca segue frutado (frutas negras) e bem equilibrado, com acidez e corpo médios, taninos muito macios e ótima integração com a madeira (16 meses em barricas de carvalho americano, 1/3 novas). Um vinho “redondo” e fácil de beber.

Na sequência, e acompanhado de um suculento bife ancho uruguaio, provamos o Chateau Ste Michelle Indian Wells 2012 Cabernet Sauvignon, um corte com 10% de Syrah, que recebe uvas do vinhedo Indian Wells em Wahluke Slope e matura 16 meses em barricas de carvalho novo (51% americanos, 49% francês). O resultado é um vinho mais complexo e mais austero nos aromas, com notas de pinho, mentol, geléia de amora, baunilha e caixa de charuto. Na boca tem um pouco mais de estrutura e corpo, com acidez média-alta e uma interessante mineralidade. O álcool é muito bem integrado e não esquenta a boca (apesar dos 14,5% de teor alcoólico). Finalmente, os taninos são marcantes mas sedosos, com final longo e persistente. Um vinho bastante elegante!

E você, leitor? Tem bebido vinhos de Washington? Conte sua experiência nos comentários.