O tempo ideal para guardar um vinho: Quanto mais antigo melhor?


Boa parte da população (incluindo enófilos) acredita na ideia de que a expressão “validade indeterminada” descrita nos rótulos dos vinhos significa que ele nunca estará impróprio para o consumo. Infelizmente isso está longe de ser verdade. Na real, a esmagadora maioria dos vinhos são produzidos para serem consumidos jovens, em seus primeiros anos.


Quando vemos em um filme, por exemplo, aquela adega antiga no porão de uma casa, repleta de garrafas empoeiradas, que mais parece um tesouro escondido por séculos, é inevitável despertar em nós (só eu sou assim?) a vontade de estocar vinhos para as próximas gerações. O que a maioria não sabe é que quase 100% dos vinhos disponíveis nos supermercados e lojinhas de conveniência (e até muitos dos vinhos das lojas especializadas) não são elaborados para guardar.


A verdade é que não existe uma grande quantidade dos chamados “vinhos de guarda” à disposição no mercado. Uma vez que exigem um alto nível de investimento e de cuidado em sua elaboração, são geralmente produzidos em menor escala e, consequentemente, são mais raros e tem preços mais elevados quando comparados aos vinhos produzidos para consumo “rápido”.


Dentre as boas opções de vinhos que podem atravessar décadas, estão exemplares como os italianos Brunello di Montalcino e Barolo, os Vinhos do Porto Vintage e os franceses de Bordeaux e da Borgonha — vinhos que, além de virem de ‘’terroirs abençoados”, recebem os cuidados necessários para garantir sua longevidade desde o cultivo das uvas.


No nosso país temos um desafio adicional para a guarda de vinhos: o clima tropical, que pode facilmente sabotar as expectativas dos aventureiros que imaginam poder adquirir um vinho “de guarda” e simplesmente armazená-lo em sua casa (dentro do ármário, por exemplo) por décadas, para brindar com seus futuros herdeiros. Não. É necessário, no mínimo, o investimento em uma adega climatizada… (vou falar mais sobre os cuidados necessários na hora de se guardar um vinho num próximo post).

“Dusty Wine Cellar” by Simon Greig (all rights reserved)


De modo geral podemos considerar que, uma vez guardados em ambientes adequados (com temperatura controlada e sem luminosidade, trepidação ou humidade), podemos sugerir um tempo médio de guarda de aproximadamente 2 a 5 anos para um vinho branco e de 5 a 10 anos para um tinto. Isso, claro, para vinhos de qualidade, com alguma estrutura e que foram elaborados para serem vinhos passiveis de guarda (que, como já mencionamos, é uma minoria).


E isso não significa que o vinho irá melhorar com o tempo! A maioria dos vinhos, aliás, provavelmente não ganhará com a guarda. Ou ainda pior: perderá o frescor, a exuberância da fruta e sua estrutura de boca, tornando-se um vinho “chocho” e sem atrativos.


Portanto, o conceito de que “quanto mais velho um vinho, melhor” não é necessariamente verdade. Depende muito de qual vinho que estamos falando. E o preço do vinho também não é um bom parâmetro nessa hora…


A melhor forma de evitar o dessabor de perder aquele vinho que você sonhou em abrir numa ocasião especial, daqui muitos anos, é conhecer mais sobre vinhos (em geral) e sobre o vinho específico que se quer guardar.

E lembre-se sempre: “Validade indeterminada” não significa “validade eterna”.
Saúde!!

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O Beaujolais Nouveau chegou!

 

“Le Beaujolais Nouveau est arrivé!”

Com esta frase (“o Beaujolais Nouveau chegou!”), na 3ª quinta-feira do mês de Novembro, o mundo todo celebra a chegada ao mercado da nova safra do famoso vinho francês Beaujolais Nouveau.

O Beaujolais Nouveau (nouveau significa “novo” em francês) é um “vin de primeur“, fermentado por apenas algumas semanas antes de ser comercializado.

Até a 2ª Guerra Mundial, era consumido apenas localmente, em comemoração ao final da colheita. Mas com o estabelecimento do “Dia do Beaujolais Nouveau” em 1951 (inicialmente no dia 15 de Novembro e depois mudado para a 3ª quinta-feira desse mês), o vinho se tornou um grande instrumento de marketing para a região e a possibilidade um bom aporte de dinheiro “rápido” para as vinícolas, ajudando a financiar a produção de seus demais vinhos.

O Beaujolais Nouveau responde por cerca de 25% da produção total de vinhos da região de Beaujolais, com 27,5 milhões de caixas produzidas em 2017, sendo 40% destinadas à exportação, exigindo uma grande operação logística para que o vinho esteja nas prateleiras das lojas de todo o mundo ao primeiro minuto do “Beaujolais Day“.

Nos Estados Unidos o Beaujolais Nouveau é promovido como a bebida do Thanksgiving (o “Dia de Ação de Graças”, um dos mais importantes feriados americanos) que sempre cai exatamente uma semana após o lançamento do vinho, na 4ª quinta-feira de novembro. Diz a lenda que a harmonização com peru (o prato típico da data) é perfeita!

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O vinho

O Beaujolais Nouveau é elaborado com a uva “Gamay noir à jus blanc”, ou apenas Gamay, proveniente de toda AOC Beaujolais (região mais ao sul da Borgonha), exceto dos chamados “crus de Beaujolais”. Quando proveniente das 30 vilas “não-cru” da região, o vinho é denominado “Beaujolais-Villages Nouveau” e tende a ter um pouco mais de complexidade.

Segundo as regras da Denominação, as uvas devem ser colhidas à mão e colocadas intactas em grandes tanques de aço inox selados, cheios de gás carbônico. O CO2 permeia através da pele das uvas e induz uma fermentação em nível intracelular, dentro de cada bago, em um ambiente anaeróbico (isto é, sem a presença de oxigênio). Esse método, típico de Beaujolais, é chamado de maceração carbônica e resulta em pouca extração de taninos e maior ênfase nos aromas frutados da uva.

O vinho produzido é logo engarrafado, sem passar por nenhum tipo de “estágio” ou envelhecimento.

Assim, o Beaujolais Nouveau apresenta um estilo mais jovem e descontraído, com pouca estrutura e bastante frescor. Feito para o consumo imediato, dentro de poucos meses do lançamento, não melhora com a guarda e deve ser consumido ligeiramente mais gelado (entre 11º – 13ºC).

 

Degustando…

gi6GiAWhTOGfwoFIgI9KmQ.jpgEste tive oportunidade de provar uma garrafa de Beaujolais Nouveau 2018 de um dos mais conceituados produtores da região, a Maison Joseph Drouhin, adquirida por R$156 na Mistral.

Na taça, mostrou sua juventude exibindo coloração púrpura com reflexos violáceos e aromas puramente frutados (groselha, jabuticaba e cereja) com um leve toque herbal (eucalipto?). Na boca era praticamente um suco de tutti-frutti, com um suave toque de banana (um aroma típico da maceração carbônica). Tinha corpo leve, acidez média-alta e taninos muito leves e macios.

Fácil de beber, muito fresco e saboroso, é um vinho simples e sem muita complexidade… Mas essa é a tipicidade do Beaujolais Nouveau! A pura expressão do terroir e de sua tradição. E, por isso, dei 91 pontos para esse vinho.

Recomendo!

 

 


 

Defeitos do vinho – parte 2: “Oxidado”

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Provavelmente o defeito mais comum encontrado num vinho é a oxidação.

A oxidação de um vinho ocorre por seu contato excessivo com o oxigênio do ar atmosférico, em geral por falha de vedação da rolha, normalmente decorrente do ressecamento da cortiça devido ao armazenamento inadequado da garrafa na posição vertical. No entanto, uma oxidação prematura do vinho também pode se dar durante o processo de vinificação (por exemplo, durante a “bâtonnage“).

Vale lembrar que a rolha de cortiça natural permite, normalmente, uma minúscula entrada de ar na garrafa e que essa “microoxigenação” do vinho ao longo do tempo contribui para sua “evolução” e o desenvolvimento de características “terciárias” que compõe o chamado “bouquet” do vinho. Alguns vinhos, como os Jérez, os Vinhos do Porto Tawny e certos vinhos espanhóis, tem a oxidação como característica e tipicidade, e não como defeito.

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Mudança de coloração provocada pela oxidação.

Um vinho oxidado apresenta alterações em sua coloração, aroma e sabor. Sua cor se torna menos vibrante, frequentemente adquirindo tonalidade castanho-alaranjada (no caso dos tintos). Os brancos escurecem, tornando-se dourados, âmbar ou castanhos. Os aromas frutados desaparecem e surgem aromas de oxidação (lembrando um vinho Jérez) como os de nozes, frutas secas ou cozidas, cidra ou caramelo. Na boca o vinho perde o frescor, fica “chato” e até amargo.

Os vinhos mais susceptíveis à oxidação são os vinhos brancos. Os tintos possuem polifenóis (taninos e antocianos) com certa atuação anti-oxidante.

Uma “estratégia” dos produtores para reduzir a oxidação de um vinho é a adição de sulfitos (mais especificamente o SO2) durante a produção. Além de sua ação principal (bactericida), o SO2 tem efeito anti-oxidante, impedindo a ação “nociva” do oxigênio sobre compostos orgânicos do vinho. No entanto, o uso do SO2 deve ser racional pois em doses elevadas pode produzir aromas desagradáveis e, o mais importante, oferecer riscos à saúde (especialmente para pessoas com alergia a este produto).

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A melhor saída é guardar a garrafa na posição horizontal, evitando que a rolha resseque, encolha e permita a entrada de ar.

Uma rolha manchada nas laterais (como a rolha da esquerda na foto) indica que houve falha na vedação da garrafa e, provavelmente, o vinho foi oxidado.

 

Um vinho oxidado pode (e deve) ser recusado em um restaurante, exceto, é claro, se a oxidação fizer parte da tipicidade do vinho.

E lembre-se: o processo de oxidação do vinho é inevitável e começa tão logo a garrafa é aberta. Portanto, se não for consumido totalmente, recomenda-se usar uma bomba de vácuo e guardá-lo na geladeira, prolongando assim sua “vida” em alguns dias.

 


 

Não perca os próximos posts da série “Defeitos do Vinho” em breve! Deixe seu comentário abaixo e me conte sua experiência com vinhos oxidados (ou outro tipo de defeito do vinho).

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