O Beaujolais Nouveau chegou!

 

“Le Beaujolais Nouveau est arrivé!”

Com esta frase (“o Beaujolais Nouveau chegou!”), na 3ª quinta-feira do mês de Novembro, o mundo todo celebra a chegada ao mercado da nova safra do famoso vinho francês Beaujolais Nouveau.

O Beaujolais Nouveau (nouveau significa “novo” em francês) é um “vin de primeur“, fermentado por apenas algumas semanas antes de ser comercializado.

Até a 2ª Guerra Mundial, era consumido apenas localmente, em comemoração ao final da colheita. Mas com o estabelecimento do “Dia do Beaujolais Nouveau” em 1951 (inicialmente no dia 15 de Novembro e depois mudado para a 3ª quinta-feira desse mês), o vinho se tornou um grande instrumento de marketing para a região e a possibilidade um bom aporte de dinheiro “rápido” para as vinícolas, ajudando a financiar a produção de seus demais vinhos.

O Beaujolais Nouveau responde por cerca de 25% da produção total de vinhos da região de Beaujolais, com 27,5 milhões de caixas produzidas em 2017, sendo 40% destinadas à exportação, exigindo uma grande operação logística para que o vinho esteja nas prateleiras das lojas de todo o mundo ao primeiro minuto do “Beaujolais Day“.

Nos Estados Unidos o Beaujolais Nouveau é promovido como a bebida do Thanksgiving (o “Dia de Ação de Graças”, um dos mais importantes feriados americanos) que sempre cai exatamente uma semana após o lançamento do vinho, na 4ª quinta-feira de novembro. Diz a lenda que a harmonização com peru (o prato típico da data) é perfeita!

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O vinho

O Beaujolais Nouveau é elaborado com a uva “Gamay noir à jus blanc”, ou apenas Gamay, proveniente de toda AOC Beaujolais (região mais ao sul da Borgonha), exceto dos chamados “crus de Beaujolais”. Quando proveniente das 30 vilas “não-cru” da região, o vinho é denominado “Beaujolais-Villages Nouveau” e tende a ter um pouco mais de complexidade.

Segundo as regras da Denominação, as uvas devem ser colhidas à mão e colocadas intactas em grandes tanques de aço inox selados, cheios de gás carbônico. O CO2 permeia através da pele das uvas e induz uma fermentação em nível intracelular, dentro de cada bago, em um ambiente anaeróbico (isto é, sem a presença de oxigênio). Esse método, típico de Beaujolais, é chamado de maceração carbônica e resulta em pouca extração de taninos e maior ênfase nos aromas frutados da uva.

O vinho produzido é logo engarrafado, sem passar por nenhum tipo de “estágio” ou envelhecimento.

Assim, o Beaujolais Nouveau apresenta um estilo mais jovem e descontraído, com pouca estrutura e bastante frescor. Feito para o consumo imediato, dentro de poucos meses do lançamento, não melhora com a guarda e deve ser consumido ligeiramente mais gelado (entre 11º – 13ºC).

 

Degustando…

gi6GiAWhTOGfwoFIgI9KmQ.jpgEste tive oportunidade de provar uma garrafa de Beaujolais Nouveau 2018 de um dos mais conceituados produtores da região, a Maison Joseph Drouhin, adquirida por R$156 na Mistral.

Na taça, mostrou sua juventude exibindo coloração púrpura com reflexos violáceos e aromas puramente frutados (groselha, jabuticaba e cereja) com um leve toque herbal (eucalipto?). Na boca era praticamente um suco de tutti-frutti, com um suave toque de banana (um aroma típico da maceração carbônica). Tinha corpo leve, acidez média-alta e taninos muito leves e macios.

Fácil de beber, muito fresco e saboroso, é um vinho simples e sem muita complexidade… Mas essa é a tipicidade do Beaujolais Nouveau! A pura expressão do terroir e de sua tradição. E, por isso, dei 91 pontos para esse vinho.

Recomendo!

 

 


 

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Conheça a DOCa Rioja

 

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Rioja é, sem dúvida nenhuma, a mais famosa e tradicional região vinícola espanhola. É também uma das mais importantes Denominações do mundo! No ano de 2015 produziu 284 milhões de litros de vinho (e exportou 37,5% desse volume).

Vamos conhecer um pouco dessa maravilhosa região e seus vinhos?

 

A história de Rioja

Sua história vitivinícola começa na Antiguidade, durante o Império Romano, sobrevive à ocupação de Península Ibérica pelos árabes (que eram abstêmios) e floresce com o fim da Idade Média e o desenvolvimento do comércio. Mas o grande salto em qualidade e importância comercial para os vinhos de Rioja só ocorreu na segunda metade do século XIX, graças à uma conjunção de fatores.

Na década de 1860 as estradas de ferro chegaram à região de Rioja, fazendo a ligação entre as principais áreas vinícolas e os portos de Bilbao e Santander, no País Basco, e escoando facilmente a produção vinícola. Houve grande impulso à exportações dos vinhos riojanos, principalmente para as colônias espanholas na América.

Nessa época alguns enólogos de Rioja que tinham ido estudar em Bordeaux, entre eles Luciano Murrieta e Camilo Hurtado de Amézaga, retornaram trazendo modernos conceitos e técnicas de vinificação (como o uso de barricas de carvalho francês para envelhecimento do vinho). Fundaram bodegas de renome (Marqués de Murrieta Marqués de Riscal respectivamente) e provocaram um salto de qualidade nos vinhos de Rioja.

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A moderna (e linda) fachada da Marqués de Riscal.

Enquanto a produção de vinhos finos em Rioja crescia no final do século XIX, os vinhedos da França (e posteriormente de toda Europa) eram devastados pela Phylloxera. Em busca de saciar o lucrativo mercado britânico e a própria demanda francesa, enólogos e produtores de Bordeaux foram atraídos à Rioja (na época ainda livre da praga). Levaram na bagagem todo o savoir faire bordalês e influenciaram para sempre o estilo dos vinhos de Rioja. Nessa época foram fundadas importantes bodegas como La Rioja Alta, CVNE e Bodegas Lopez de Heredia.

No momento em que a filoxera atingiu Rioja, por volta de 1890, a solução para a praga (tema de um próximo post) já era bem conhecida e os vinhedos locais pouco sofreram. Entretanto, com o retorno de Bordeaux ao mercado internacional os produtores se viram obrigados a trocar o uso das caras barricas de carvalho francês por uma alternativa economicamente mais viável: o carvalho americano, que se tornou uma “marca registrada” dos vinhos de Rioja.

O prestígio dos vinhos de Rioja já estava bem estabelecido quando, em 1926, surgiu o Consejo Regulador, com o objetivo de limitar a zona de produção e garantir a qualidade dos vinhos. Rioja logo se tornou a primeira DO (Denominación de Origen) constituída na Espanha e, em 1991, ganhou status de DOCa (Denominación de Origen Calificada), ao lado do Priorato.

 

O terroir de Rioja

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A DO Rioja compreende uma área de aproximadamente 100km de extensão no Norte da Espanha, ao longo do rio Ebro, com em torno de 40km de largura. Localiza-se em um platô de altitude média de 460m acima do nível do mar, e abrange territórios das províncias de La Rioja, Navarra e Álava (no País Basco).

Seu nome deriva do “rio Oja”, um tributário do Ebro. Possui 63.593ha de vinhedos que produzem anualmente 280-300 milhões de litros de vinho, sendo 90% vinhos tintos.

O clima em Rioja é continental, mas com boa influência mediterrânea devido aos ventos quentes que penetram pelo vale do rio Ebro desde a Catalunha. Em seu limite norte, a Serra Cantabria isola a região dos fortes ventos do País Basco e retém a umidade vinda do oceano Atlântico (“efeito rain-shadow”). A média anual de precipitação é de pouco mais de 400mm.

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Rioja é dividida em três sub-regiões:

  1. Rioja Alavesa: é a região mais fria, de clima atlântico, e se localiza ao norte do rio Ebro. O solo é predominantemente argilo-calcário, em terraços. Produz vinhos mais encorpados e frescos.
  2. Rioja Alta: ocupa a parte do vale do Ebro a Oeste de Logroño, a capital da província. O clima é atlântico e ligeiramente mais quente que a Alavesa, com solos argilo-calcáreos, argilo-ferrosos e aluviais. Em geral seus vinhos são mais equilibrados e frutados.
  3. Rioja Baja: se extende de Logroño para o sul e para o leste. Tem clima mais seco e mais quente, devido à maior influência do Mediterrâneo. A seca costumava ser perigosa nos meses de verão mas desde a década de 1990 a irrigação foi permitida e resolveu o problema. Seus solos são aluviais e argilo-ferrosos. Uma pequena parte dos vinhedos se localiza na província vizinha de Navarra, mas o vinho produzido mantém a denominação Rioja. Os vinhos de Rioja Baja costumam ser mais alcoólicos e com menor acidez.

 

Os vinhos de Rioja

Os vinhos de Rioja são, tradicionalmente, vinhos de corte (ou seja, blends de diferentes uvas). Embora hoje em dia haja uma tendência à “modernização” dos vinho, explorando o potencial da Tempranillo, o “estilo tradicional” de Rioja acrescenta Garnacha, Graciano, Mazuelo e Maturana.

Para os vinhos brancos (apenas cerca de 10% da produção da denominação), o corte costuma ter como base a Viura (conhecida também como Macabeo), em associação com MalvasiaGarnacha Blanca e outras (Tempranillo Blanco, Maturana Blanca, Turruntés, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Verdejo).

Tradicionalmente, os vinhos de Rioja (tintos e brancos) envelhecem em barricas de carvalho americano por longos períodos, mais do que os estabelecidos para outras DOs. Através da micro-oxigenação os vinhos evoluem e adquirem aromas relacionados à madeira e ao tempo, alterando a cor (os tintos tornam-se mais claros e os brancos vão ganhando tons acastanhados) e ganhando em complexidade e delicadeza.

No entanto, a partir da década de 1970, boa parte dos produtores de Rioja passaram a produzir vinhos com períodos mais longos de maceração e estágios mais curtos em madeira, em busca de um estilo mais “moderno” e economicamente mais viável. E o carvalho americano tem sido paulatinamente substituído pelo francês.

Atualmente, a tendência é produzir cada vez mais vinhos varietais, até mesmo com uvas de um vinhedo único, com objetivo de mostrar a personalidade da uva (em geral, da Tempranillo) e do vinhedo em si.

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De acordo com o tempo de crianza (isto é, o tempo de envelhecimento), os vinhos de Rioja são classificados em 4 categorias:

  •  Jóven: são vinhos engarrafados e colocados no mercado 1 anos após a colheita, podendo ou não ter passado por madeira. Como o próprio nome diz, são vinhos frutados e que não são aptos para guarda
  • Crianza: vinhos envelhecidos por um período mínimo de 24 meses (18 meses para os brancos e rosados) sendo no mínimo 12 meses em barricas de carvalho.
  • Reserva: tempo de envelhecimento mínimo de 36 meses (24 meses para brancos e rosados) sendo ao menos 12 meses em barricas de carvalho e pelo menos 6 meses em garrafa.
  • Gran Reserva: período mínimo de envelhecimento de 60 meses (48 meses para os brancos e rosados), sendo ao menos 24 meses em carvalho e 6 meses em garrafa.

Os vinhos Reserva e Gran Reserva não são necessariamente produzidos todos os anos, apenas em anos considerados excelentes. Estes vinhos, devido a passagem mais longa por madeira, adquirem maior estrutura e potencial para guarda. Os melhores exemplares podem resistir por décadas.

 

Degustando

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Na Confraria Vinho Nosso de setembro/2016 tivemos a oportunidade de degustar essa bela seqüência de vinhos de Rioja, de quatro prestigiados produtores. Nenhum vinho foi decantado. Eis aqui as minhas considerações:

– Marqués de Riscal Viña Collada 2014 – um vinho de Rioja Alavesa, representante do estilo “Jóven“, elaborado com 95% de Tempranillo (com 3% Graciano e 2% Mazuelo), com passagem em carvalho francês por 4 meses mais 3 meses em garrafa. Coloração rubi de média intensidade. Aromas de frutas vermelhas frescas, balsâmicos (mentol, esparadrapo) e leve baunilha. Depois, surgiu café. Na boca era seco, com acidez média-alta, corpo medio-baixo taninos suaves e de boa qualidade. Aromas de boca de fruta vermelha e chá, com baixa persistência. Vinho equilibrado e agradável. Preço: R$73

– Heras Cordón Vendimia Seleccionada 2012 – um “Crianza” de Rioja Alta, elaborado com 90% Tempranillo (mais Graciano e Mazuelo, 5% cada) com maturação em carvalho por 12 meses mais 12 meses em garrafa. Na taça, cor rubi de alta intensidade. Aromas de frutas negras maduras, madeira, tabaco, toffee, tostado e caixa de charuto. Em boca, seco, com alta acidez, corpo médio-alto e taninos médio-altos bastante macios. Aromas de boca de fruta madura e balsâmico, com média persistência. Equilibrado e gastronômico. Preço: R$165

– Marqués de Riscal Reserva 2011 – vinho de estilo clássico, “Reserva“, de Rioja Alavesa, 90% Tempranillo, 7% Graciano e 3% Mazuelo, com estágio em barricas de carvalho americano por 24 meses seguido de 12 meses em garrafa. Cor rubi de intensidade média-alta. Aroma com muita madeira, tabaco, caixa de charutos, curral (animal) e pouca fruta. Na boca: seco, acidez média, corpo médio, taninos intensos, um pouco ríspidos mas de ótima qualidade. Sabores de pimenta negra e madeira, com média persistência. Ótimo vinho, já no seu auge. Preço: R$212

– Marqués de Murrieta Reserva 2010 – belíssimo vinho de Rioja Alta, com uvas provenientes do famoso vinhedo Ygay (93% Tempranillo, 2% Graciano, 4% Mazuelo e 1% Garnacha). Um “Reserva” de estilo clássico, com envelhecimento em barricas de carvalho americano por 21 meses e 24 meses em garrafa. Coloração rubi de média intensidade. Aromas de frutas vermelhas maduras, caramelo, baunilha, chocolate e couro. Seco, com alta acidez, corpo médio e taninos moderados, muito macios! Aromas de boca frutados, com longa persistência. Vinhaço, com potencial para mais alguns anos de guarda! Eleito o melhor da degustação. Preço: R$250

– Beronia Gran Reserva 2008 – um ótimo vinho de Rioja Alta, de estilo mais moderno de vinificação, representante da classificação “Gran Reserva” com 26 meses de envelhecimento em barricas novas de carvalho francês seguido de 36 meses de descanso em garrafa. Elaborado com Tempranillo (90%), Graciano (5%) e Mazuelo. Na taça exibia coloração rubi de média intensidade com aromas de frutas vermelhas maduras, balsâmico (remédio), um leve floral, um leve mentol, couro e tabaco seco. Na boca era muito equilibrado, com acidez e corpo médios. Os taninos eram moderados, macios e aveludados. No palato, tabaco, fruta vermelha e balsâmico. Média persistência. Excelente! Preço: R$340

 


 

La Dame de Montrose 2003

 

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Na minha opinião, maior prazer de se beber um bom vinho é poder dividi-lo com os amigos! E no último sábado tive o imenso prazer de compartilhar com amigos incríveis uma garrafa de um vinho magnífico: o “La Dame de Montrose 2003

La Dame de Montrose é o “segundo vinho” do famoso Château Montrose, estrela da AOC Saint-Estèphe, na região do Médoc (margem esquerda do Gironde) e famosa por seus vinhos longevos e tânicos. Classificado como “Deuxième Cru” na Classificação Oficial dos Vinhos de Bordeaux, de 1855, o Château Montrose produz vinhos que necessitam de longo tempo de envelhecimento para atingirem seu potencial.

O La Dame tem seu nome em referência à Yvonne Charmolue, que dirigiu sozinha o Château Montrose de 1944 a 1960 e reergueu a propriedade depois da Segunda Guerra Mundial. Em seu blend normalmente predomina a Merlot, o que confere maior maciez em relação ao “Grand Vin”, e o tempo de envelhecimento é de 12 meses em barricas francesas (30% novas). Assim, o vinho costuma atingir a maturidade mais cedo que o “primeiro vinho” (que tem predomínio da Cabernet Sauvignon e envelhecimento de 18 meses em barricas 60% novas) e ser mais “fácil” de beber.

O ano de 2003 em Bordeaux foi mais quente e seco que o normal e produziu vinhos ricos e estruturados, e com taninos intensos e grande potencial de guarda. O château, então, proveitando-se das ótimas condições da safra 2003 produziu um La Dame de Montrose de exceção: com 65% de Cabernet Sauvignon e apenas 35% de Merlot. Um vinho com a elegância de seu “irmão mais velho” mas que, teoricamente, estaria pronto para beber mais cedo.

Depois de guardá-lo por alguns anos na minha adega, finalmente dicidi que era hora de prová-lo! Mesmo sabendo do potencial da safra optei por não decantar o vinho, o que resultou em algumas borras no fundo da garrafa.

Logo de cara o vinho já mostrou que estava vivo e bem: uma coloração rubi intensa na taça, com nuances atijoladas.

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Os aromas, desde o início, eram intensos e com grande complexidade: pouca fruta negra (bem madura), um leve mentol, terra seca, madeira, chocolate, caixa de charutos e um leve aroma animal (estrebaria) que evoluiu para aroma de couro.

Na boca mostrou corpo médio e acidez moderada, com pouca fruta e bastante cacau em pó. Os taninos, surpreendentemente intensos para a idade, eram de altíssima qualidade e mostravam que o vinho ainda teria uns bons anos pela frente. A persistência final aromática era incrível, passando dos 15 segundos e deixando a boca enxuta e macia.

Em resumo: um vinhaço!! Elegante e ainda com boa estrutura, pronto para beber mas possível de guardar por mais alguns anos. Uma pena que eu não tenha uma outra garrafa…

Minha nota: 95 pontos.