Os 10 melhores vinhos de 2016 pela Wine Spectator

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A revista americana Wine Spectator (WS) é uma das mais importantes publicações do mundo do vinho, mensalmente avaliando e classificando milhares de vinhos em suas edições impressa e online. E anualmente, desde 1988, a WS publica sua lista dos 100 melhores vinhos do ano em sua edição de dezembro.

Segundo a revista, em 2016 foram degustado mais de 18000 vinhos às cegas, e pontuados  numa escala de 0 à até 100 pontos. Para a elaboração da lista final dos “Top 100” os editores levaram em conta qualidade (os vinhos escolhidos pontuaram todos acima de 90pts), relação custo-benefício (baseado no preço dos vinhos nos Estados Unidos) e disponibilidade de mercado (critério relacionado ao número de caixas produzidas ou importadas para os EUA).  A pontuação média foi de 93pts e o preço médio de U$46, o mesmo das listas de 2015 e 2014.

Diversas regiões e estilos de vinhos foram representados na seleção final, sendo que França, Itália e Estados Unidos (claro, é uma revista americana!) responderam por quase dois terços dos selecionados. Mas junto dos “tradicionais pesos-pesados”, aqueles que você está cansado de ver em qualquer lista dos melhores vinhos do mundo, figuram também rótulos menos conhecidos e de regiões emergentes… E é aí que se encontra espaço para discordâncias e polêmicas.

Abaixo, a lista dos 10 melhores vinhos de 2016 na classificação da Wine Spectator. Pessoalmente, discordo bastante da escolha da revista, principalmente pela presença maciça de vinhos americanos. Mas, quem sou eu para discordar…

De qualquer forma, são vinhos excelentes, sem dúvida! Alguns já estão “prontos”, mas a maioria ainda são novos e tem imenso potencial para guarda. Infelizmente, o preço apresentado (preço, em dólar, nos Estados Unidos) é BEM diferente daquele que encontramos no Brasil… Mas vale a pena anotar para uma próxima viagem.

10. Hartford Family – Russian River Valley Old Vine Zinfandel, 2014 (Sonoma, Califórnia)

pontuação: 93     preço: $38 USD     produção: 2200 caixas

ws10As vinhas utilizadas na produção deste vinho foram plantadas há mais de um século por imigrantes que tentavam replicar os belos tintos de sua terra natal. Plantaram uvas que pudessem ser fermentadas juntas: Zinfandel, Alicante Bouschet, Petite Sirah e Carignan. Em 1991 a propriedade foi comprada em por Don e Jennifer Hartford, que logo se apaixonaram pela velhas vinhas de Zinfandel. Neste tinto, o enólogo Jeff Stewart utiliza lotes de Zinfandel não aproveitados na elaboração dos “single vineyards” Hartford, Dina e Highwire. O vinho é fermentado em pequenos tanques abertos utilizando levedura indígena, e envelhecido por nove meses em barricas de carvalho francês (40% novas).

Notas de degustação: “Vinho gordo e carnudo, com taninos densos e acidez viva. Aromas de framboesa preta madura, anis e alcaçuz introduzem camadas levemente compotadas de cereja preta, torta de mirtilo e pimenta defumada. Beba agora e até 2024.” – Tim Fish

9. Château Smith-Haut-Lafitte – Pessac-Léognan branco, 2013 (Bordeaux, França)

pontuação: 94   preço: $105 USD   produção: 2500 caixas

ws09A safra 2013 em Bordeaux foi desafiante, com tempo fresco e encoberto durante a estação de crescimento das uvas e chuvas durante a época da colheita. Para os tintos, foi uma verdadeira luta. Mas o tempo frio produziu brancos vibrantes e um dos melhores exemplos veio de Smith-Haut-Lafitte. Desde que Florence e Daniel Cathiard compraram a propriedade, em 1990, foram feitos investimentos agressivos em viticultura e vinificação. O diretor técnico Fabien Teitgen fermenta seu melhor vinho branco (constituído de 90% de Sauvignon Blanc e 5% de Sémillon e Sauvignon Gris) em barricas de forma a obter riqueza de sabores, mas preserva a acidez vibrante do vinho bloqueando a fermentação maloláctica.

Notas de degustação: “Este vinho tem uma sensação deslumbrante, com fruto opulento compensado por notas de ervas e acidez, mostrando sabores de sorvete de limão, shortbread e pêssego branco, seguidos por um final de manteiga salgada e estragão, com discretas pitadas de talco e funcho ao fundo. Muito longo mas ainda com um toque juvenil no final, este é um vinho para guardar. Sauvignon Blanc, Sauvignon Gris e Sémillon. Melhor de 2017 à 2023.” – James Molesworth

8. Antinori – Tignanello, 2013 (Toscana, Itália)

pontuação: 94   preço: $105 USD   importação: 2500 caixas

ws08Este icônico super toscano foi um dos primeiros líderes de qualidade no vinho italiano moderno. Ao prestar muita atenção às práticas agrícolas e aos níveis de maturação das uvas na hora da colheita, o proprietário Piero Antinori e o enólogo Renzo Cotarella domaram os taninos da Sangiovese (que é 80-85% do corte, ao lado da Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc). A longa estação de crescimento em 2013 desenvolveu os aromáticos; e na adega, Cotarella começou a usar tonéis de 500 litros nesta vintage, em vez das barricas de carvalho menores, enfatizando a fruta e promovendo taninos mais sedosos. A fermentação maloláctica ocorreu em barris de carvalho francês e húngaro, novos ou com um ano de idade, onde o vinho também envelheceu por 14 meses.

Notas de degustação: “Aromas de grafite, fumo e tabaco introduzem o sabor de cereja neste expressivo tinto. Taninos firmes e acidez viva equilibram a fruta e a pureza, enquanto as ervas, especiarias e minerais se reúnem à todo vapor, desenvolvendo-se num longo final. Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Melhor de 2017 até 2027.” – Bruce Sanderson

7. Ridge – Monte Bello, 2012 (Santa Cruz Mountains, Califórnia)

pontuação: 94   preço: $175 USD   produção: 5243 caixas

ws07Guiado por Paul Draper desde 1969, Monte Bello é um modelo de consistência e qualidade entre os Cabernets da Califórnia. O vinhedo encontra-se em altitudes de 400 a 820 m, à cerca de 24 km do Oceano Pacífico, em uma paisagem rochosa e acidentada, com vinhas plantadas em solos calcários de decomposição. Os rendimentos são baixos, e o clima fresco e o solo peculiar criam vinhos de estrutura impecável. O produtor Eric Baugher combina as melhores parcelas de Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot para construir este vinho em estilo Bordeaux, que é então envelhecido por 16 meses em carvalho novo. Anos quentes como 2012 mostram o melhor do que Monte Bello pode oferecer.

Notas de degustação: “Um vinho lindamente estruturado, com acidez firme e taninos que mostram atitude e personalidade em meio a um denso núcleo de suculentas groselhas e amoras. Quem procura um Cabernet clássico e ‘old-school’ vai adorar. Guardar por mais 5 à 7 anos é o mais apropriado. Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot. Melhor de 2020 até 2035.” – James Laube

6. Orin Swift – Machete, 2013 (Califórnia)

pontuação: 94   preço: $48 USD   produção: 15500 caixas

ws06Dave Phinney é um dos mais influentes e inovadores enólogos da Califórnia. Ele ajudou a promover o entusiasmo atual pelos red blends saborosos e acessíveis (e com rótulos inconfundíveis) quando ele criou o vinho “The Prisoner”, corte à base de Zinfandel, em 2000, aumentando a produção para 85000 caixas antes de vender a marca em 2010. Phinney então voltou seu foco para sua linha “Orin Swift”, alavancando desta vez seu corte à base de Petite Sirah chamado “Machete”. Phinney tem um talento especial para misturar e combinar vinhas e uvas. Neste vinho, as uvas Petite Sirah amadurecem o suficiente para suavizar seus taninos, enquanto mantém a estrutura para receber as frutadas Grenache e Syrah.

Notas de degustação: “Generoso e expressivo, grande e musculoso, este vinho oferece um bocado de taninos, mas também é repleto de sabores e aromas, incluindo chá Earl Grey, chocolate escuro, violeta seca e pão de gengibre torrado. Ricas notas de ameixa e cereja preta são equilibradas por toques terrosos e de sous-bois, que persistem num longo final de boca. Petite Sirah, Syrah e Grenache. Beba desde agora até 2030.” – MaryAnn Worobiec

5. Produttori del Barbaresco – Barbaresco Asili Riserva, 2011 (Piemonte, Itália)

pontuação: 96   preço: $59 USD   produção: 1100 caixas

ws05Esta dinâmica cooperativa gerida por Aldo Vacca foi fundada em 1958. Seus atuais 54 membros cultivam 250ha de vinhas. Especializada em Nebbiolo, a Produttori faz um Barbaresco “genérico” e, em safras extraordinárias, nove rótulos “single-vineyard” dos melhores crus na denominação. Asili, apreciado por sua finesse, senta-se no topo deles em 2011, uma safra na qual três semanas de dias quentes e ensolarados e noites frias, em setembro, proporcionaram o clima ideal para o amadurecimento da Nebbiolo. Seguindo as práticas tradicionais de vinificação, o vinho passa por fermentação e conversão maloláctica em tanques de aço inoxidável, seguido de três anos de envelhecimento em barris de 25 a 50 hectolitros.

Notas de degustação: “Aromas intensos de cereja, rosa, alcaçuz e alcatrão no nariz trazem notas de tabaco, especiarias e minerais ao palato. Concentrado mas elegante e expressivo, tem mais para dar no futuro. Termina com um longo retrogosto de frutas, hervas e minerais. Melhor de 2018 à 2032.” – Bruce Sanderson

4. Château Climens – Barsac 2013 (Barsac, França)

pontuação: 97   preço: $68 USD   produção: 1417 caixas

ws04Às vezes referido como o “Senhor de Barsac”, o Château Climens possui séculos de história. Lucien Lurton comprou a propriedade em 1971; sua filha Bérénice assumiu em 1992. A propriedade, que depende inteiramente de uvas Sémillon para seus vinhos doces, tem sido cultivada biodinamicamente desde 2010 e foi certificada como orgânica em 2013. Para os vinhos doces de Sauternes e Barsac, os catadores fazem várias passagens pela vinha para selecionar as uvas acometidas por botrytis, mas a colheita particularmente húmida de 2013 exigiu que essas passagens fossem realizadas rapidamente entre chuva e tempestades de granizo. Felizmente, os solos calcários de Barsac drenam bem e asseguraram frescura no vinho final.

Notas de degustação: “Intensos aromas de damasco, nectarina e tangerina, costurados com notas de casca laranja para dar energia, enquanto sabores tropicais de mamão papaya e manga adicionam uma borda sublimemente cremosa. O final flui continuamente, cobrindo o palato com uma sensação de porcelana, enquanto um eco de amêndoas amargas perdura sem esforço, como uma cortina de renda pendurada numa brisa sem fim. Impressionante! Melhor de 2018 até 2043.” – James Molesworth

3. Beaux Frères – Pinot Noir Ribbon Ridge “The Beaux Frères Vineyard”, 2014 (Willamette Valley, Oregon)

pontuação: 95   preço: $90 USD   produção: 2405 caixas

ws03O proprietário Mike Etzel começou a plantar os 24 hectares originais do vinhedo “Beaux Frères” em 1988, em uma encosta íngreme virada para sul em Ribbon Ridge, na parte norte do Willamette Valley, Oregon, usando os clones de Pinot Noir que dominavam os vinhedos do estado naquela época: Pommard e Wädenswil. A primeira safra foi 1991, e Beaux Frères logo tornou-se referência no Oregon. O estilo mais opulento inicial foi gradualmente ganhando mais elegância e transparência, e seus vinhos continuaram a impressionar os críticos. Os da safra 2014 se apresentam em camadas frutadas e florais que se juntam num equilíbrio flexível e expressivo.

Notas de degustação: “Suave, expressivo e de várias camadas, exibindo sabores de ameixa, groselha, romã e violeta que se combinam harmoniosamente, persistindo no final longo e excepcionalmente bem equilibrado. Beba agora até 2024.” – Harvey Steiman

2. Domaine Serene – Dundee Hills Chardonnay Evenstad Reserve, 2014 (Willamette Valley, Oregon)

pontuação: 95   preço: $55 USD   produção: 2000 caixas

ws02Oregon tem investido seriamente em Chardonnay nesta última década, surgindo um número crescente de vinhos excitantes, com profundidade e energia. A Domaine Serene produz Chardonnay desde 1998 e atualmente faz cinco versões “single vineyard”, de pequenas parcelas de seus 80ha de vinhas na AVA Dundee Hills. Os proprietários Ken e Grace Evenstad começaram em 2010, misturando barris selecionados desses vinhedos individuais e engarrafando como “Evenstad Reserve”, seguindo o formato bem-sucedido de seus Pinot Noir. O 2014 é o melhor de todos até agora: intenso, fresco, macio e expressivo, com um final surpreendentemente longo.

Notas de degustação: “Concentrado e expressivo, com camadas de pedra molhada, cítricos, pêra e goiaba verde, sobrepondo-se até um grande final, e crescendo a cada gole. Beba agora até 2024.” – Harvey Steiman

1. Lewis – Cabernet Sauvignon, 2013 (Napa Valley, California)

pontuação: 95   preço: $90 USD   produção: 1600 caixas

ws01Os Lewis compartilham uma paixão pelos vinhos ricos e opulentos do Novo Mundo, estilo que se adapta bem ao perfil da uvas do Napa Valley. Sua vinícola é reconhecida entre a elite da região em termos de qualidade. E seu maior triunfo veio este ano, com o lançamento de seu emocionante Lewis Cabernet Sauvignon Napa Valley 2013, de uma safra espetacular, escolhido como Vinho do Ano pela Wine Spectator em 2016, tornando-se o sétimo Cabernet de Napa a ganhar essa honra desde o início do prêmio em 1988.

Uma grande conquista para uma pequena empresa familiar, com produção de apenas 10.000 caixas de vinhos. Debbie, de 72 anos, vem de 5 gerações de agricultores californianos e Randy, de 71 anos, correu no automobilismo desde a adolescência até que um acidente, em 1991, o fez mudar de profissão. Randy diz que nunca teve os melhores carros, mas agora tem as melhores uvas…

Sempre com estilo intenso e expressivo, seus vinhos tem sido presença recorrente nas listas de Top 100 da WS e outras publicações especializadas. E apesar das estrelas do portfolio serem os vinhos de Cabernet Sauvignon, a Lewis Cellars produz ótimos Chardonnay, Syrah, Merlot e vinhos de corte.

Segundo os Lewis, os elementos-chave são: a seleção dos melhores sítios vitícolas, o calendário de colheita, a rígida seleção das melhores uvas e o uso generoso do carvalho. Somente um de seus vinhos vem de um vinhedo único, todos os outros são blends de uvas de diferentes vinhedos, selecionadas e compradas dos melhores produtores da região. Com a Cabernet Sauvignon, os Lewis preferem uvas ultra maduras, e são um dos últimos no vale a colhê-las.

Seus vinhos encontram-se na vanguarda da vinificação moderna, com a opulência vindo das uvas maduras e dos taninos densos e polidos, associados ao aromas de baunilha e mocha, provenientes das barricas de carvalho francês.

Notas de degustação: “Extraordinariamente elegante e refinado para um vinho deste tamanho e profundidade, tem aromas de ameixa, amora e groselha, bem como um toque sutil de alcaçuz, que permanecem puros e graciosos no longo e persistente retrogosto. Beba agora e até 2028.” – James Laube


 

E você, o que acha dessa seleção? Deixe seu comentário lá em cima, logo abaixo do título.

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O Julgamento de Paris

"After dthe Upset", de Gary Myatt (2012)

Há 40 anos, mais precisamente em 24 de maio de 1976, uma degustação “às cegas” em Paris abalou o mundo do vinho e produziu consequências que duram até hoje.

Até o começo da década de 1970 os vinhos europeus reinavam absolutos como os melhores do mundo, sem competidores à altura. Principalmente no segmento dos “Grandes Vinhos” (hoje chamados de premium), os vinhos franceses se destacavam sobremaneira e parecia não haver rivais.

Naquela época a vitivinicultura nos países do Novo Mundo, incluindo os EUA, ainda estava em fase de desenvolvimento e seus vinhos tinham pouca expressão mundial. Apesar da Califórnia já produzir rótulos de grande qualidade no Napa Valley, havia pouco interesse neles por parte dos “grandes enólogos” e da mídia especializada que não consideravam possível que um vinho de fora da França pudesse ser páreo para os grandes Bordeaux e Borgonhas.

Esse (pré)conceito iria começar a mudar em 1976 quando o mercador de vinhos britânico Steven Spurrier, fundador da respeitada escola de vinho parisiense L’Academie du Vin, organizou em Paris uma degustação histórica entre vinhos franceses de renome e alguns vinhos americanos, sob o pretexto de comemorar os 200 anos da Independência dos EUA.

Steven SpurrierO próprio Spurrier, em sua loja Caves de la Madeleine, em Paris, negociava apenas vinhos franceses. Como confessou posteriormente, não acreditava que os vinhos americanos pudessem ser superiores aos franceses na prova embora já tivesse provado alguns bons exemplares.

Com ajuda de sua colega e diretora da L’Academie, a norte-americana Patricia Gallagher (que recentemente havia passado as férias na Califórnia e voltado empolgada com o que provara), convidaram 9 enólogos franceses de elite para serem os juízes da prova:

  • Pierre Brejoux – inspetor geral do comitê de Denominações de Origem;
  • Claude Dubois-Millot – do guia Gault-Millau de restaurantes;
  • Michel Dovaz – professor-chefe da L’Academie du Vin;
  • Odette Kahn – editora da célebre revista  La Revue du vin de France;
  • Raymond Oliver – chef e proprietário do restaurante 3 estrelas Le Grand Véfour;
  • Pierre Tari – dono do Château Giscours, em Margaux;
  • Christian Vanneque – sommelier-chefe do restaurante 3 estrelas Tour D’Argent;
  • Aubert de Villaine – co-proprietário do Domaine de la Romanée-Conti;
  • Jean-Claude Vrinat – dono do restaurante 3 estrelas Taillevent.

O objetivo principal era comprovar a qualidade dos vinhos americanos. Para evitar um viés preconceituoso, Spurrier convenceu os jurados à realizar a degustação “às cegas”, isto é, sem que soubessem qual vinho estavam degustando.

Assim, em abril de 1976 Spurrier foi à Califórnia selecionar os vinhos para o evento. Ao invés de “grandes nomes” como Mondavi, Buena Vista ou Beaulieu Vineyards, Spurrier procurou produtores menores, das chamadas “vinícolas boutiques” do Napa Valley. Selecionou 6 Chardonnays e 6 Cabernet Sauvignons que considerou excelentes e comprou 2 garrafas de cada.

Para evitar problemas na alfândega francesa, teve ajuda de um grupo de 20 produtores californianos (e suas esposas) que estavam indo para um tour de vinhos na França e que transportaram os vinhos em suas bagagens de mão. Para completar o painel, escolheu 4 brancos da Borgonha e 4 famosos tintos de Bordeaux, os melhores de sua loja.

O palco escolhido para o grande dia foi o elegante Hôtel InterContinental de Paris, em frente ao Palais Garnier, adicionando elegância ao evento. Com a ajuda de Ernst Van Damm, diretor de publicidade do hotel e cliente de Spurrier em sua loja, reservou as salas do terraço das 15 às 18h . E assim, na tarde de 24 de maio de 1976, se fez história.

A ordem de serviço foi sorteada no dia anterior e os vinhos foram embrulhados para não serem identificados. Os brancos foram degustados primeiro, e então os tintos. Spurrier e Gallagher participaram da degustação mas as notas, dadas numa escala até 20 pontos, foram somadas apenas entre os juízes franceses, e divididas por nove. O resultado geral, em ordem decrescente, foi:

Brancos:

  1. Chateau Montelena 1973 (EUA)
  2. Roulot (Mersault-Charmes) 1973 (França)
  3. Chalone Vineyard 1974 (EUA)
  4. Spring Mountain Vineyard 1973 (EUA)
  5. Joseph Drouhin Le Clos des Mouches (Beaune) 1973 (França)
  6. Freemark Abbey Winery 1972 (EUA)
  7. Ramonet-Prudhon (Bâtard-Montrachet) 1973 (França)
  8. Domaine Leflaive Les Pucelles (Puligny-Montrachet) 1972 (França)
  9. Veedercrest Vineyards 1972 (EUA)
  10. David Bruce Winery 1973 (EUA)

 

Tintos:

  1. Stag’s Leap Wine Cellars 1973 (EUA)
  2. Château Mouton-Rothschild (Pauillac) 1970 (França)
  3. Château Montrose (Saint-Estèphe) 1970 (França)
  4. Château Haut-Brion (Pessac-Léognan) 1970 (França)
  5. Ridge Vineyards Monte Bello 1971 (EUA)
  6. Château Léoville Las Cases (Saint-Julien) 1971 (França)
  7. Heitz Wine Cellars Martha’s Vineyard 1970 (EUA)
  8. Clos Du Val Winery 1972 (EUA)
  9. Mayacamas Vineyards 1971 (EUA)
  10. Freemark Abbey Winery 1969 (EUA)

O resultado não poderia ser mais surpreendente: 3 americanos entre os top five brancos e o Stag’s Leap como campeão entre os tintos, batendo alguns “monstros sagrados” de Bordeaux!

Para registrar o evento foram chamadas as principais publicações especializadas da França, que não se interessaram. O único repórter presente foi George M. Taber, da revista TIME, que havia feito um curso na L’Academie meses antes. Lembrado por Gallagher, foi chamado na última hora e registrou o evento. Uma semana depois a TIME publicou 4 parágrafos sobre o evento, com o título “Julgamento de Paris“, e a repercussão foi espantosa.

Imediatamente surgiram reclamações entre os próprios participantes, bem como críticas ao método subjetivo de avaliação dos juízes e questionamentos quanto à significância estatística dos resultados. A mídia francesa praticamente ignorou o ocorrido e os jornais Le FigaroLe Monde, meses depois, classificaram o resultado como “piada”.

Steven Spurrier assumiu o status de persona non grata em Bordeaux e, por mais de um ano, foi banido do circuito francês de degustações, como punição ao dano causado à reputação dos grandes vinhos franceses.

 

As Contraprovas:

Após o Julgamento de Paris, uma das críticas mais recorrentes  era o fato dos tintos franceses terem sido degustados muito jovens, sugerindo que os vinhos americanos não manteriam sua superioridade se “testados” pelo tempo.

Era uma boa tese. Os tintos de Bordeaux são conhecidos por serem vinhos longevos, com grande potencial de guarda e de evolução. Os melhores costumam passar muitas décadas mantendo a elegância e o frescor. Já os vinhos americanos eram uma incógnita. Como responderiam aos anos?

Em maio de 1986, dez anos depois, Spurrier então organizou uma nova prova às cegas, com os mesmos vinhos tintos, mas dessa vez em Nova York. Nove outros juízes foram convidados, e o resultado foi:

  1. Clos Du Val Winery 1972 (EUA)
  2. Ridge Vineyards Monte Bello 1971 (EUA)
  3. Château Montrose 1970 (França)
  4. Château Leoville Las Cases 1971 (França)
  5. Château Mouton-Rothschild 1970 (França)
  6. Stag’s Leap Wine Cellars 1973 (EUA)
  7. Heitz Wine Cellars Martha’s Vineyard 1970 (EUA)
  8. Mayacamas Vineyards 1971 (EUA)
  9. Château Haut-Brion 1970 (França)
  10. Freemark Abbey Winery 1969 (EUA)

Também em 1986, a revista Wine Spectator realizou outra degustação às cegas dos mesmos vinhos, colocando 5 americanos nas primeiras colocações (Heitz, Mayacamas, Ridge, Stag’s Leap e Clos du Val).

Como se não bastasse, o célebre painel seria mais uma vez posto a prova em 2006, no 30º aniversário do “Julgamento de Paris”: persuadido por Jacob Rothschild, que apoiara o Copia Center (museu dedicado ao vinho em Napa, California), Steven Spurrier organizou nova degustação às cegas, simultaneamente no Copia e na mais antiga loja de vinhos de Londres, a Berry Bros. & Rudd.

Um time de experts foi chamado, 9 em cada lado do Atlântico, incluindo Christian Vanneque (um dos juízes do “julgamento” original), Anthony Dias Blue e nomes como Hugh Johnson Jancis Robinson. Ambas as equipes de juízes escolheram o Ridge Monte Bello 1971 como vencedor e, somadas as notas de todos, o resultado final foi o seguinte:

  1. Ridge Vineyards Monte Bello 1971 (EUA)
  2. Stag’s Leap Wine Cellars 1973 (EUA)
  3. Mayacamas Vineyards 1971 (EUA) – empate
  4. Heitz Wine Cellars Martha’s Vineyard 1970 (EUA) – empate
  5. Clos Du Val Winery 1972 (EUA)
  6. Château Mouton-Rothschild 1970 (França)
  7. Château Montrose 1970 (França)
  8. Château Haut-Brion 1970 (França)
  9. Château Leoville Las Cases 1971 (França)
  10. Freemark Abbey Winery 1969 (EUA)

Resultado ainda mais consistente já que o Conseil Interprofessionnel du Vin de Bordeaux considerou a safra de 1970 entre as 4 melhores dos últimos 45 anos, e a de 1971 como “muito boa”.

Mais uma “vitória” dos vinhos americanos que, superando ícones bordaleses num teste de longevidade, se mostraram dignos de figurar entre a elite dos vinhos mundiais.

 

Conclusões:

Passados 40 anos da primeira degustação, não resta mais dúvidas de que os vinhos americanos saíram triunfantes. Não só aqueles 6 brancos e 6 tintos do painel (que hoje desfrutam de renome mundial), mas toda a indústria do vinho dos Estados Unidos. E, como consequência, a de todo o mundo!

O “Julgamento de Paris” foi revolucionário porque abalou o conceito de superioridade absoluta dos vinhos franceses. O impacto global veio principalmente através do prestígio adquirido pelos vinhos americanos, o que acabou abrindo os mercados europeus aos vinhos do Novo Mundo, impulsionando a expansão da produção em países como Austrália, África do Sul e Argentina.

A “derrota” dos vinhos franceses também impactou de forma positiva a indústria vitivinícola francesa que foi forçada a sair da “zona de conforto” onde se encontrava por décadas e estimulada a reexaminar tradições e convicções até então tidas como verdades imutáveis. Prova disso é que os grandes vinhos franceses continuam sendo o golden standard em termos de qualidade e elegância.

Para nós, consumidores, essa expansão da produção e do prestígio dos vinhos do Novo Mundo, graças àquela histórica tarde em 1976, nos brindou com inúmeros novos estilos e muitos ótimos vinhos, desde o Líbano até o Uruguai, da China ao Brasil. Abriu uma grande possibilidade de concorrência entre países e produtores e tornou mais vinhos de qualidade acessíveis ao consumidor médio. Só benefícios!

 

 

Quer saber mais?

  • Em 2005, George Taber finalmente lançou seu livro “Judgment of Paris: California vs. France and the Historic 1976 Paris Tasting that Revolutionized Wine, pela editora Scribner, atualmente esgotado em português.

 

  • Em 2008 estreiou no cinema “O Julgamento de Paris” (Bottle Shock), filme americano com Alan Rickman, Bill Pullman e Chris Pine no elenco, escrito e dirigido por Randall Miller, que retrata o Julgamento de Paris. Assista o Trailler.